top of page
Foto do escritorDaniela Cracel

As mulheres: A Escolhida e a Que Escolhe - Entre Dores e Potencialidades.

As Mulheres: A Escolhida e a Que Escolhe – Entre Dores e Potencialidades


Por Daniela Cracel





“Não se nasce mulher, torna-se mulher.” – Simone de Beauvoir


A mulher, em todas as suas facetas, é uma constante tensão entre a passividade imposta pela sociedade e a afirmação de sua própria liberdade. A tensão entre ser “a escolhida” e ser “a que escolhe” ressoa profundamente nas trajetórias das mulheres ao longo da história. Quando a mulher é a "escolhida", ela se vê moldada pelas expectativas alheias, confinada a um papel que a sociedade impõe. Por outro lado, quando ela se torna “a que escolhe”, assume o controle de sua própria vida e identidade, conquistando sua autonomia. Contudo, esse poder de escolha não é isento de desafios, de dilemas e de consequências. Dores surgem, e também grandes potencialidades. O que ganham as mulheres que escolhem, e o que podem perder as mulheres que, por tradição ou por imposição, permanecem como as escolhidas?


A Mulher Escolhida: O Conflito com o Ser


Historicamente, a mulher tem sido construída como "a escolhida" – escolhida pelo homem, pela sociedade ou pelas tradições. Este conceito está intimamente relacionado à visão patriarcal de um mundo onde as mulheres são muitas vezes definidas por seus papéis como esposas, mães e filhas. Essa mulher, que não escolhe, é frequentemente colocada à margem de suas próprias decisões. Como disse Simone de Beauvoir, "A mulher é o ‘outro’, uma vez que ela é definida em relação ao homem, e não a si mesma". A mulher que é escolhida muitas vezes sofre com a falta de autonomia, vivendo sob as limitações de um sistema que a vê como objeto e não sujeito.


Esse modelo de mulher escolhida ainda é perpetuado por muitas normas sociais e culturais que colocam a mulher em um lugar secundário, uma posição de espera e aceitação. As mulheres “escolhidas” enfrentam dores profundas. A dor da não escolha, da negação de sua própria voz, da desconexão com seu próprio desejo. Ao longo da vida, elas podem se perder em padrões que não foram feitos por elas, vivendo de acordo com expectativas externas, sem entender profundamente quem são e o que desejam.


Entretanto, como Simone de Beauvoir também ressaltou, a mulher não está irremediavelmente condenada à posição de objeto. Existe, em cada mulher, uma capacidade inata de reverter esse destino. Contudo, essa mudança exige um esforço contínuo para romper com os estigmas sociais e redescobrir a liberdade individual.


A Mulher que Escolhe: Potencialidade e Autonomia


Por outro lado, a mulher que escolhe é aquela que, consciente de sua autonomia, se reinventa e se define de acordo com seus próprios desejos, sem se submeter ao olhar externo que a limita. As pensadoras feministas contemporâneas, como Bell Hooks, Gloria Steinem e Chimamanda Ngozi Adichie, têm mostrado que, ao recuperar o poder de escolha, a mulher assume um papel ativo e protagonista em sua vida.


Bell Hooks, em Ain’t I a Woman? (1981), fala sobre como a mulher negra, em particular, se torna aquela que escolhe sua própria identidade, desafiando não só o patriarcado, mas também o racismo estrutural. A mulher que escolhe pode decidir sobre sua carreira, suas relações, sua maternidade, sua sexualidade – e mais importante, ela escolhe, muitas vezes, viver para si mesma. O potencial da mulher que escolhe reside na libertação dos papéis tradicionais e na criação de uma nova narrativa, onde a identidade e as decisões pertencem a ela, sem concessões ou desculpas.


No entanto, o poder de escolha não vem sem seus próprios desafios. Embora a mulher que escolhe tenha o controle sobre sua vida, ela também enfrenta críticas e julgamentos. O que ela pode perder é o apoio das estruturas tradicionais que uma vez a protegeram, mesmo que de maneira opressiva. Ela pode ser vista como egoísta ou excessivamente independente. O preço da autonomia muitas vezes vem na forma de solidão ou alienação, à medida que ela desafia as normas que a sociedade impôs.


Simone de Beauvoir, mais uma vez, sintetiza essa dualidade quando escreve: “Liberdade é a escolha de decidir, mas a liberdade é também um fardo, uma responsabilidade.” A mulher que escolhe, embora empoderada, deve carregar o peso da autonomia, que exige coragem e resistência. A cada escolha, surge a necessidade de renunciar a outras possibilidades. Há uma dor inerente ao fato de que, ao escolher um caminho, a mulher abre mão de outros. Esse dilema não deve ser subestimado.


O Que Ambas Podem Ganhar e Perder


Tanto a mulher que é escolhida quanto a mulher que escolhe têm seus ganhos e perdas. A mulher escolhida, muitas vezes confortável em seu papel socialmente aceito, ganha uma certa estabilidade e segurança. Ela se encaixa no molde esperado, sem grandes desafios existenciais. Contudo, essa "segurança" vem com a perda da liberdade autêntica. Ela perde a possibilidade de escrever sua própria história e a chance de desenvolver plenamente seu potencial.


Já a mulher que escolhe experimenta um ganho significativo em termos de liberdade, autenticidade e auto-realização. Sua capacidade de decisão a coloca como protagonista de sua vida, o que traz uma sensação de empoderamento. No entanto, ela paga um preço: a dor da rejeição, da crítica e, muitas vezes, da solidão. O que ela ganha em liberdade, perde em pertencimento.


Em ambos os casos, as mulheres enfrentam os dilemas existenciais que Simone de Beauvoir tão bem identificou em sua obra. A questão central para as mulheres é: até que ponto se pode ser livre sem perder a essência humana? Qual o custo da liberdade quando ela se dá à custa da conformidade?


Conclusão


A mulher é, sem dúvida, um ser em constante transformação, uma figura que oscila entre a posição de ser "a escolhida" e de ser "a que escolhe". Em ambos os casos, ela enfrenta dores e desafios, mas também tem o potencial de redescobrir e reinventar seu papel na sociedade. A mulher escolhida, muitas vezes, perde sua autonomia e se submete a um destino que não escolheu, enquanto a mulher que escolhe, embora empoderada, deve carregar o peso das consequências dessa liberdade. O processo de ser mulher – seja na passividade ou na ação – está imerso nas complexidades de sua humanidade, e é esse processo que deve ser compreendido e celebrado.


O que Simone de Beauvoir nos ensina é que a mulher não é algo dado, mas sim algo que se faz. Para ela, "tornar-se mulher" não é uma condição imposta, mas uma escolha, e uma escolha que deve ser tomada com coragem e reflexão. A liberdade de escolher, ou de ser escolhida, está nas mãos de cada mulher, e cabe a ela decidir que caminho trilhar. Contudo, seja qual for a escolha, deve ser feita com a plena consciência de seu poder e de suas implicações.


Bibliografia


Beauvoir, Simone de. O Segundo Sexo (1949). Editora Nova Fronteira.


Hooks, Bell. Ain’t I a Woman? Black Women and Feminism (1981). South End Press.


Steinem, Gloria. My Life on the Road (2015). Random House.


Adichie, Chimamanda Ngozi. Sejamos Todos Feministas (2014). Companhia das Letras.

2 visualizações0 comentário

Posts recentes

Ver tudo

Comments


bottom of page